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Direito tributário

Inconstitucionalidade da Multa Isolada Por Compensação Não Homologada: Até o Fisco Concorda

O artigo 165 do CTN estabelece que, em caso de pagamento indevido de tributo, o contribuinte tem direito à restituição, independentemente de prévio protesto. A par disso, o artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 estabeleceu normas relativas ao procedimento de restituição, compensação, ressarcimento e reembolso no âmbito da Receita Federal do Brasil.

Dentre as normas ali previstas, chama atenção o § 17 do aludido artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. Isso, porque tal dispositivo prevê a aplicação de multa isolada de 50% sobre o valor do débito objeto de compensação não homologada.

Ou seja, na prática, por entender possuir crédito em seu favor, o contribuinte transmite determinada declaração de compensação, pleiteando que seu crédito seja abatido com débitos tributários que tenha perante o Fisco Federal. No entanto, se por qualquer razão o Fisco não reconhecer o crédito pleiteado, além de exigir do contribuinte os débitos declarados acrescidos de multa de mora (de até 20% do valor do débito) e juros, ainda poderá aplicar, contra o contribuinte, multa de 50% do valor do débito, pelo simples fato de o pedido de compensação não ter sido homologado.

Ocorre que, uma análise conjunta de tal dispositivo sob a luz da Constituição Federal permite concluir que a cobrança de multa isolada pela não homologação de compensação pleiteada pelo contribuinte não encontra respaldo constitucional.

Tal conclusão advém do fato, sobretudo, de que a aludida penalidade é uma afronta direta ao direito de petição, insculpido na alínea “a” do inciso XXXIV do artigo 5º da Magna Carta, o qual assegura a todos os cidadãos o direito de apresentarem suas irresignações perante o Poder Público, independentemente do pagamento de quaisquer taxas, em defesa a direitos ou contra ilegalidades ou abusos de poder.

É dizer, ao permitir que o Fisco cobre multa pela simples não homologação de compensações pleiteadas pelos contribuintes, o §17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 acaba por coibir os contribuintes de apresentarem seus pedidos de compensação, já que um simples equívoco no preenchimento do pedido ou, ainda, uma análise errônea por parte do próprio Fisco acerca do direito creditório pleiteado podem gerar penalidades contra o contribuinte que, de boa-fé, apenas pretendia cumprir suas obrigações fiscais.

Note-se que é possível sustentar que a aplicação da aludida multa isolada por compensações não homologadas feriria, ainda, outros princípios constitucionais, como, por exemplo:

i) o direito ao contraditório e à ampla defesa, previsto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, já que a multa é aplicada, na maior parte dos casos, logo após a prolação do despacho decisório (que, muitas vezes, ocorre de forma automática, a partir de mero cruzamento de informações constantes na base de dados do Fisco, sem que tenha sido previamente oportunizada manifestação por parte do contribuinte), ou seja, antes mesmo de se proferir uma decisão definitiva, em âmbito administrativo, sobre a suposta inexistência de crédito que permita a compensação pleiteada;

ii) a vedação da utilização de tributos com efeito de confisco, tal como prevê o inciso IV do artigo 150 da Constituição Federal; e

iii) os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Pensando nisso, iniciou-se uma série de embates em âmbito judicial, nos quais os contribuintes sustentavam a incompatibilidade da aludida multa isolada com preceitos constitucionais basilares.

Em razão do grande impacto de tais discussões e de forma a uniformizar a jurisprudência, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4905 e o Recurso Extraordinário (RE) nº 796.939, que tratam da questão relativa à inconstitucionalidade (ou não) do §17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, foram recepcionados, pelo Supremo Tribunal Federal como representativos de controvérsia, tratando-se do Tema nº 736 em Repercussão Geral.

A expectativa dos contribuintes é que, a partir do julgamento do Tema em Repercussão Geral, a Suprema Corte venha a declarar a inconstitucionalidade do aludido dispositivo legal, evitando, com isso, que os contribuintes venham a ser punidos por exercerem seu direito constitucional de petição.

Até mesmo porque o Poder Judiciário, anteriormente, em situação bastante similar, já estava se manifestando pela inconstitucionalidade da multa isolada que era aplicada sobre os pedidos de ressarcimento que eram indeferidos pelo Fisco Federal (multa disposta nos §§ 15 e 16 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996), o que levou o Poder Executivo a revogar a referida penalidade, por meio das Medidas Provisórias (MPs) nº 656/2014 e 668/2015 (ratificadas pelo Poder Legislativo quando da conversão das referidas MPs nas Leis nºs 13.097/2015 e 13.137/2015).

A grande surpresa, porém, ficou por conta do posicionamento favorável aos contribuintes adotado pela própria Procuradoria Geral da República. Isso, porque, em recente parecer, a Procuradoria manifestou entendimento no sentido de ser “inconstitucional a multa prevista no art. 74, § 17, da Lei 9.430/1996, quando aplicada da mera não homologação da compensação tributária, ressalvada sua incidência aos casos de comprovada má-fé do contribuinte”.

De fato, o entendimento manifestado pela Procuradoria sobre o tema mostra-se adequado aos preceitos constitucionais. Até mesmo porque, se de um lado, a multa isolada por compensação não homologada fere, sobretudo, o direito de petição do contribuinte que apresenta pedido de compensação perante o Fisco (especialmente quando há boa-fé), por outro lado, não se verifica qualquer prejuízo ao Fisco em razão da transmissão de pedido de compensação pelo contribuinte, que venha a ser posteriormente não homologada (já que, como mencionado, nessa hipótese, o Fisco cobrará os débitos tributários não compensados com multa de mora e juros).

Assim, embora o Supremo Tribunal Federal não esteja vinculado ao posicionamento da Procuradoria, sem dúvida, o parecer traz ainda mais expectativa aos contribuintes de um desfecho favorável sobre a discussão, na medida em que representa o reconhecimento do próprio Fisco sobre a inconstitucionalidade da cobrança da multa isolada por compensações não homologadas.

Por conta disso, é de se concluir (em entendimento reforçado pelo posicionamento da própria PGR) pela inconstitucionalidade da multa isolada de 50% sobre a não homologação das declarações de compensação, seja pela violação ao direito de petição, seja pela afronta aos princípios i) ao contraditório e à ampla defesa, ii) à não utilização de tributo com efeito confiscatório, ou iii) da razoabilidade e da proporcionalidade.

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Sobre a autora:

Michelle Cristina Bispo Romano é Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, com extensão em Contabilidade pelo IBET; bacharela em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Advogada em São Paulo; e-mail para contato: michelle_bispo@hotmail.com.

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