Como já noticiado por Cristiane Pires McNaughton no quadro “EBT-Comenta” de 10.01.2023, os contribuintes iniciaram o ano de 2023 com uma nova celeuma tributária a ser discutida, qual seja a da aplicação (ou não) do princípio da anterioridade nonagesimal para as alíquotas da contribuição para o programa de integração social (“PIS”) e da contribuição para o financiamento da seguridade social (“COFINS”) incidentes sobre receitas financeiras.
Isso, porque, da redação original do artigo 1º do Decreto nº 8.426/2015, as alíquotas de PIS-COFINS incidentes sobre receitas financeiras eram de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente.
Ocorre que, em 30.12.2022, foi publicado o Decreto nº 11.322/2022 que reduziu as alíquotas de PIS-COFINS incidentes sobre receitas financeiras aos patamares de 0,33% (trinta e três centésimos por cento) e 2% (dois por cento), respectivamente.
Contudo, em 02.01.2023, foi publicado o Decreto nº 11.374/2023 que restabeleceu as alíquotas de PIS-COFINS incidentes sobre receitas financeiras aos patamares de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente.
Com isso, surge o questionamento se o restabelecimento das alíquotas de PIS-COFINS sobre receitas financeiras deveria ou não respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal, insculpido na alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal e que é aplicável às contribuições sociais por força do § 6º do artigo 195 da Carta Magna.
Há quem defenda a inaplicabilidade da noventena – como se vê, por exemplo, o entendimento manifestado por Edmar Oliveira Andrade Filho – visto que “não há confiança a ser protegida porque nunca houve aceno de que haveria a redução e nenhum contribuinte investiu acreditando na norma editada e depois revogada” e, por conta disso, “os contribuintes não tiveram expectativas frustradas”.
Em que pese o respeito que se nutre pelo mencionado jurista e por demais doutrinadores que defendam o entendimento acima referenciado, ousa-se discordar de tal posicionamento. Explica-se.
Segundo ensina o Prof. Paulo de Barros Carvalho[1], a Constituição Federal, em matéria tributária, elenca duas “espécies” de princípios, quais sejam os princípios valores e os princípios limites objetivos. Os princípios limites objetivos são os instrumentos para a realização de outros valores que são buscados, enquanto os princípios valores são buscados por intermédio de outras normas que viabilizem sua aplicação.
No caso do princípio da anterioridade (seja anual, seja nonagesimal), trata-se de um limite objetivo instituído pela Constituição Federal, de modo que, havendo a subsunção do fato à norma, tem-se a aplicabilidade do princípio, não havendo a necessidade de se ponderar valorativamente se a norma é aplicável ou não, visto que a aplicabilidade objetiva do princípio já se presta a respeitar o valor que se busca a assegurar.
Com isso, considerando que as alíquotas reduzidas de PIS-COFINS sobre receitas financeiras vigeram, efetivamente, por dois dias, o seu posterior restabelecimento acarreta em majoração da carga tributária e, por conta disso, deve-se aplicar objetivamente o princípio da anterioridade nonagesimal ao caso ora em análise.
Nesse sentido, inclusive, é o posicionamento de Bruno Fajersztajn, Fabiana Carsoni Fernandes, Ramon Tomazela Santos e Paulo Coviello Filho.
Deste modo, pelo exposto, conclui-se que as alíquotas majoradas de PIS-COFINS sobre receitas financeiras devem respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal (insculpido na alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal e que é aplicável às contribuições sociais por força do § 6º do artigo 195 da Carta Magna) e, por conta disso, tais alíquotas devem viger apenas a partir de 02.04.2023.
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[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 147
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, sócio da área tributária do Escritório PPA Law, Professor do IBET/SP e Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.