No decorrer da série especial da Reforma Tributária[1][2][3][4][5][6][7], um dos pontos que foi debatido foi justamente a não diminuição do litígio entre Fisco e contribuintes[8], de modo que o Brasil ainda será palco de muito contencioso tributário.
Ocorre que grande parcela da “culpa” em não haver diminuição dos litígios fiscais é justamente da Administração Pública, visto que, atualmente, os Entes Federativos possuem a “mentalidade” de ser vantajosa a cobrança de tributos inconstitucionais ou ilegais, visto que isso assegurará a arrecadação.
Além disso, quando a matéria for analisada pelo Poder Judiciário, são elevadas as chances de uma modulação de efeitos, de modo que, apesar do reconhecimento de que a cobrança se deu de maneira indevida, ela é referendada judicialmente, pois, se os Entes Públicos tiverem de devolver os valores que arrecadaram indevidamente, isso causará prejuízos financeiros ao Erário[9].
Ademais, em razão dessa atribuição de efeitos modulados em um sem-número de decisões judiciais em favor dos contribuintes (como forma de mitigar o prejuízo dos Fiscos Federal, Estaduais, Municipais e/ou Distrital), isso faz com que os sujeitos passivos prefiram judicializar a questão.
Isso, porque, assim, os contribuintes reduzirão o risco de “ganhar e não levar”, já que, se ajuizarem ações antes do julgamento definitivo do tema pelo Poder Judiciário, poderão assegurar seus respectivos direitos caso a decisão traga uma ressalva à modulação de efeitos a quem estava litigando antes do Poder Judiciário firmar seu posicionamento sobre a matéria.
Com isso, vê-se que a atual “mentalidade” da Administração Pública (Federal, Estaduais, Municipais e Distrital) contribui para uma perpetuação do litígio fiscal, incentivando o contencioso tributário. E a mais nova Medida Provisória exarada pelo Governo Federal é mais uma demonstração disso.
O Governo Federal, com a finalidade de ampliar a arrecadação para, assim, tentar atingir a meta de “déficit zero” no final do ano de 2024, exarou, em 31 de agosto de 2023, a Medida Provisória (“MP” ou “MPV”) n. 1.185/2023, que:
(i) determinou que as subvenções para investimento sejam incluídas nas bases de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (“IRPJ”), contribuição social sobre o lucro líquido (“CSLL”), contribuição ao programa de integração social (“PIS”) e contribuição para financiamento da seguridade social (“COFINS”);
(ii) mas, como “contrapartida”, autorizou o aproveitamento crédito fiscal, correspondente à alíquota do IRPJ (incluído o adicional), via ressarcimento e/ou compensação, sobre o aproveitamento da subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico.
Ocorre que o oferecimento das subvenções para investimento à tributação de IRPJ, CSLL e PIS/COFINS é inconstitucional e ilegal. Explica-se.
Para fins de tributação de IRPJ e CSLL, tem-se necessário compreender o conceito de renda e, assim, concluir o que será oferecido à tributação do mencionado imposto e da citada contribuição.
Segundo o disposto no inciso III do artigo 153 da Constituição Federal, compete à União instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza. De modo similar, tem-se o Código Tributário Nacional (“CTN”) que, em seu artigo 43, dispõe que o IRPF incidirá sobre a renda e os proventos de qualquer natureza. Por conta disso, tanto a Constituição quanto o CTN disciplinam que o imposto incidirá sobre (i) renda, e (ii) proventos de qualquer natureza, sendo necessário definir o que é “renda” e o que são “proventos de qualquer natureza”.
Com relação aos “proventos de qualquer natureza”, sua definição se encontra disposta no próprio artigo 43 do CTN, visto se tratar dos “acréscimos patrimoniais” que não sejam oriundos do “produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”. Ou seja, trata-se do aumento da riqueza do contribuinte por fonte eventual, inesperada, conhecida como windfall gain.
Já no caso de “renda”, o artigo 43 do CTN disciplina que se trata do “produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”. Ocorre que tal definição é um tanto quanto vaga, sendo necessário aprofundar os estudos do que se entende por “renda”.
Inicialmente, tem-se a conceituação etimológica do termo. Para tanto, o Dicionário Michaelis On-Line[10] disciplina que é o montante que, após o desconto das despesas, é recebido, seja em contraprestação do trabalho ou de um serviço prestado, seja fruto de investimentos.
De igual modo, o Dicionário Jurídico De Plácido e Silva[11] dispõe que o termo “renda” se refere a “receita ou quantia recebida”, tratando-se do que “auferido”, sendo “qualquer espécie de recebimento”.
Nota-se, portanto, que a palavra “renda”, etimologicamente, pressupõe o recebimento de determinada quantia, sendo de rigor que haja um acréscimo no patrimônio de quem aufere o rendimento, tendo-se, assim, uma definição de que a renda pressupõe o recebimento de valores que impliquem no acréscimo patrimonial do contribuinte.
Assim sendo, se não houver acréscimo patrimonial, não há a possibilidade de se enquadrar algo como sendo renda e, via de consequência, não há a possibilidade de sua tributação pelo IRPJ e pela CSLL.
Para fins de tributação de PIS e COFINS, tem-se necessário compreender o conceito de receita e, assim, concluir o que será oferecido à tributação das mencionadas contribuições.
De acordo com a alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, a União é competente para instituir e cobrar as citadas contribuições sobre a receita ou faturamento das empresas. Já as Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003 consignam que o PIS e a COFINS incidem “sobre o total das receitas auferidas”. Por conta disso, faz-se necessário definir juridicamente o que são receitas e faturamento.
Inicialmente, tem-se a conceituação etimológica do termo. Para tanto, o Dicionário Michaelis On-Line[12] disciplina que receita é a “soma de valores que uma pessoa física ou jurídica recebe”, é o “resultado das vendas”, e a “quantia recebida nessas vendas”, o que pressupõe que o contribuinte deve receber algo, tendo um incremento financeiro.
Já a definição de faturamento é compreendida, como ensina o Prof. Roque Antonio Carrazza[13], que “é a contrapartida econômica, auferida, com riqueza própria, pelas empresas, em consequência do desempenho de suas atividades típicas”, o que, de igual modo, pressupõe que o contribuinte deve receber algo, tendo um incremento financeiro.
Assim sendo, se não houver incremento financeiro pelo recebimento de valores, não há a possibilidade de se enquadrar algo como sendo receita e/ou faturamento e, via de consequência, não há a possibilidade de sua tributação pelo PIS e pela COFINS.
Subvenções são benefícios tributários que são concedidos por Entes Estatais, que podem ser condicionados a uma contrapartida de investimento privado para desenvolvimento econômico regional (subvenção para investimento) – exemplo, expansão de atividades para a geração de empregos –, ou sem contrapartida, apenas como forma de assegurar uma competitividade financeira para atrair empresas a uma determinada região (subvenção de custeio).
De acordo com o Pronunciamento n. 7 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC‑07”), “[u]ma subvenção governamental deve ser reconhecida como receita ao longo do período”, de modo que ela “não pode ser creditada diretamente no patrimônio líquido”. Contudo, “após ter sido reconhecido no resultado, pode ser creditado à reserva própria (Reserva de Incentivos Fiscais), a partir da conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados”.
Apesar de serem contabilizadas como receita, o que faria com que as subvenções tivessem de ser, em regra, oferecidas à tributação de IRPJ, CSLL e PIS/COFINS, as subvenções para investimento não são receitas efetivas da companhia (mas, sim, de redução de despesa). Por conta disso, a legislação pátria via por bem “isentar” as subvenções (o que se dava de maneira correta).
Isso, porque, de acordo com o § 2º do artigo 38 do Decreto‑Lei n. 1.598/1977 e com o artigo 30 da Lei n. 12.973/2014, as subvenções para investimento não integram a base de cálculo de IRPJ e CSLL. De igual modo, o inciso X do § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.637/2002 e o inciso IX do § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.833/2003 dispõem que as mencionadas subvenções também não integram a base de cálculo do PIS/COFINS.
Em razão de tais benefícios não serem tributados pelo IRPJ, CSLL e PIS/COFINS, impactando em menor arrecadação por parte dos contribuintes que os usufruem, o Governo Federal editou a mencionada Medida Provisória, que prescreve que as empresas tributadas pelo regime do Lucro Real, a partir de 1º de janeiro de 2024, deverão passar a incluir as subvenções para investimento nas bases de cálculo de IRPJ, CSLL e PIS/COFINS, visto a revogação dos citados § 2º do artigo 38 do Decreto‑Lei n. 1.598/2017, do artigo 30 da Lei n. 12.973/2014, do inciso X do § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.637/2002 e do inciso IX do § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.833/2003.
Apesar da alteração acima mencionada, a MP n. 1.185/2023 acabou por ser inconstitucional e ilegal, visto que ela intenta a tributação de valores que não se adequam ao conceito constitucional e legal de renda (não podendo ser tributos pelo IRPJ e pela CSLL) assim como não se enquadram ao conceito constitucional e legal de receita (e não devem ser tributados pelo PIS e pela COFINS).
Isso, porque, tal como visto, tanto o conceito de renda quanto o de receita pressupõem que o contribuinte tenha o recebimento financeiro de valores que impliquem em um acréscimo patrimonial, incrementando suas finanças.
Ocorre que, no caso das subvenções para investimento, os contribuintes que usufruem dos benefícios fiscais não recebem valores. Eles apenas são dispensados do pagamento de tributos (seja por crédito presumido, por redução de alíquota, por abatimento de base de cálculo, por isenção etc.), o que não representa um ingresso financeiro de valores (apenas uma contabilização de um resultado).
Pior. Os contribuintes precisam realizar investimentos na região para que façam jus ao aludido benefício, de modo que, apesar de não haver o desembolso financeiro com tributos, há um desembolso estrutural em determinada localidade (seja com a construção e/ou pavimentação de ruas e estradas, seja com a realização de benfeitorias que são colocadas à disposição da população, seja com a geração de empregos), de modo que “o dinheiro não sai de um bolso”, mas ele acaba “saindo de outro bolso”.
Até por isso (por não se tratar de uma receita, e muito menos de renda), que o CPC-07 determina que, “após ter sido reconhecido no resultado, pode ser creditado à reserva própria (Reserva de Incentivos Fiscais), a partir da conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados”. Isso, inclusive, é reforçado pelo artigo 30 da Lei n. 12.973/2014 que determina que a subvenção para investimento “seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976”, justamente para que não haja distribuição a sócios do que não representa lucro efetivo da companhia.
Por conta disso, o que se vê é que o Governo Federal está intentando incrementar sua arrecadação por meio de uma medida inconstitucional e ilegal, justamente por violar o conceito de renda e de receita (o que, mais uma vez, incentiva o contencioso tributário).
Deste modo, caso a Medida Provisória n. 1.185/2023 venha a ser convertida em Lei pelo Congresso Nacional (o que deve se dar até o dia 29 de dezembro de 2023), tem-se a possibilidade de judicializar a matéria, pleiteando que as subvenções para investimento não sejam oferecidas à tributação de IRPJ, CSLL e PIS/COFINS.
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[1] BISPO ROMANO, Michelle Cristina. Especial Reforma Tributária – Parte 1: O que esperar?. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 5 de julho de 2023
[2] ROMANO, Bruno. Especial Reforma Tributária – Parte 2: A inconstitucionalidade da PEC n. 45/2019. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 12 de julho de 2023
[3] ROMANO, Bruno. Especial Reforma Tributária – Parte 3: Os nefastos impactos econômicos da PEC n. 45/2019. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 26 de julho de 2023
[4] BISPO ROMANO, Michelle Cristina. Especial Reforma Tributária – Parte 4: O inevitável aumento global da carga tributária. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 2 de agosto de 2023
[5] ROMANO, Bruno. Especial Reforma Tributária – Parte 5: Não haverá diminuição do litígio/contencioso tributário. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 9 de agosto de 2023
[6] ROMANO, Bruno. Especial Reforma Tributária – Parte 6: Simplifica Já. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 23 de agosto de 2023
[7] BISPO ROMANO, Michelle Cristina. Especial Reforma Tributária – Parte 7: A extrema necessidade de uma Reforma Administrativa anterior. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 6 de setembro de 2023
[8] ROMANO, Bruno. Especial Reforma Tributária – Parte 5: Não haverá diminuição do litígio/contencioso tributário. São Paulo: Escola Brasileira de Tributos. 9 de agosto de 2023
[9] Frise-se que um prejuízo ao Erário não significa prejuízo público, visto que é de interesse público não sofrer uma cobrança “injusta” (indevida), de modo que uma modulação de efeitos com base em uma análise econômica de prejuízo ao “caixa” dos Entes Federativos não é uma modulação que está lastreada no interesse público, mas, sim, no interesse do Fisco apenas.
[10] Michaelis On-Line. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/renda/.
[11] De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 27ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro: 2008, pp. 1.200-1.201
[12] Michaelis On-Line. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/receita/.
[13] Entendimento constante em memorial apresentado ao STF, em ocasião ao Julgamento do Recurso Extraordinário n. 240.785-2/210-MG, Min. Rel. Marco Aurélio
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.