Como já visto em artigo publicado em 16.03.2022, uma das teses mais discutidas hoje é a limitação da base de cálculo das contribuições destinadas a terceiros a 20 salários-mínimos.
Isso, porque a Lei nº 6.950/1981 disciplinava, em seu artigo 4º, que o "salário-de-contribuição" (isto é, a base de cálculo) da contribuição previdenciária patronal deveria ser limitado a 20 salários-mínimos, o que era extendido às contribuições parafiscais (destinadas a terceiros) por conta do disposto no parágrafo único do artigo 4º da mesma Lei.
A discussão tomou corpo, pois, embora o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.318/1986 tenha disciplinado que a contribuição previdenciária patronal não mais estaria sujeita à limitação de sua base de cálculo, não houve "revogação" da limitação a 20 salários-mínimos para as contribuições destinadas a terceiros, mantendo-se válida a disposição do parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 6.950/1981.
Embora já tenha sido manifestado o entendimento, no artigo publicado em 16.03.2022, no sentido de que as contribuições destinadas a terceiros devem ter sua base de cálculo limitada a 20 salários-mínimos, outra questão merece destaque, qual seja se a limitação deve se dar sobre o total da folha de salários ou sobre a remuneração de cada empregado.
Isso, porque o artigo 4º da Lei nº 6.950/1981 (tanto o caput quanto seu parágrafo único, por referenciação ao texto do caput) tratam da limitação do "salário-de-contribuição" a 20 salários-mínimos e, por conta disso, poderia surgir a dúvida se a norma estaria tratando do total da folha de salários ou da remuneração individual do empregado.
Pois bem. Tem-se de rigor salientar, desde já, que se discorda do entendimento de que a limitação deveria ser aplicada "por empregado". Explica-se.
Em todas as legislações previdenciárias, não há clareza do que é, exatamente, "salário-de-contribuição", visto que essa expressão é utilizada tanto para designação da remuneração do funcionário como para o total da folha, sendo utilizado, inclusive, em algumas oportunidades como sinônimo de "base de cálculo" de determinada contribuição previdenciária.
Com isso, há um gigantesco vício de ambiguidade no termo e na forma como ele é empregado nas mais diversas normas previdenciárias.
Frise-se que esse vício de ambiguidade não é incomum no Direito. Muito pelo contrário. Tal como ensina Prof. Paulo de Barros Carvalho, as palavras comumente possuem vícios de ambiguidade e/ou vaguidade. Tanto é assim que o aludido jurista utiliza como exemplo o termo "fato gerador" é utilizado para designar três coisas distintas (a hipótese fática descrita na norma – que compõe o critério material da regra-matriz, o fato realizado pelo contribuinte que faz surgir a obrigação tributária, e o momento em que ocorre o fato – critério temporal da regra-matriz).
Por conta disso, discussões sobre a ambiguidade de termos aplicados em normas não são incomuns e precisam de uma análise aprofundada.
Desta feita, tem-se necessária a análise do texto da lei em conformidade com seu contexto histórico para compreender se a limitação era utilizada "por funcionário" ou sobre a "base de cálculo total" (total da folha de salários).
Nesse sentido, vale salientar que as contribuições (tanto a previdenciária patronal quanto àquelas destinadas a terceiros) têm por contribuinte a pessoa jurídica (empregador), de modo que a base de cálculo das contribuições é a folha de salários.
Desta feita, quando a legislação faz referência à base de cálculo das contribuições (visto que o salário-de-contribuição é a base de cálculo das contribuições destinadas a terceiros), ela está tratando do total da folha de salários, não apenas da remuneração do empregado.
Isso pode ser mais bem verificado quando se analisa a contribuição previdenciária patronal (visto que a limitação das contribuições de terceiros se deu por referenciação à regra que era aplicada à contribuição patronal).
Em que pese o caput do artigo 4º da Lei nº 6.950/1981 trate da limitação do "salário-de-contribuição" a 20 salários-mínimos, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.318/1986 revoga tal limitação (para a contribuição patronal, apenas) ao mencionar sobre o "cálculo da contribuição da empresa".
O referido trecho parece elucidar que a norma previdenciária, ao tratar do salário-de-contribuição, está fazendo referência à base de cálculo do tributo, justamente por tratar da apuração do valor que será potencialmente devido, não da remuneração do empregado em si.
Por conta disso, interpretando-se a norma em conformidade com o contexto da atribuição do termo "salário-de-contribuição", há uma aparente utilização do referido signo como um sinônimo de "base de cálculo" da contribuição previdenciária patronal (e, via de consequência, das contribuições destinadas a terceiros).
E em sendo tal utilização, conclui-se que o salário-de-contribuição, neste caso ora em análise, refere-se ao total da folha de salários, não apenas à remuneração base de cada empregado.
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, sócio da área tributária do Escritório PPA Law, Professor do IBET/SP, é mestrando em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.