A edição da Instrução Normativa RFB nº 2.091, de 22 de junho de 2022 (“IN RFB nº 2.091/2022”), que estabeleceu novas regras procedimentais para a realização de arrolamento de bens e direitos pela Receita Federal do Brasil, em substituição à até então vigente IN RFB 1.565/2015, trouxe muitas expectativas e muitas dúvidas aos administrados. A principal dúvida que surge é se a nova IN tenta minimizar os efeitos prejudiciais do arrolamento de bens provido diante de situação de solidariedade. E a resposta é: em partes.
Para se compreender as alterações verificadas pela IN RFB nº 2.091/2022 no que tange, sobretudo, ao arrolamento determinado contra solidários, é importante dar um passo atrás e tecer alguns esclarecimentos iniciais sobre o procedimento de arrolamento.
Nos termos do artigo 1º da IN RFB nº 2.091/2022, o arrolamento de bens e direitos é medida promovida pela RFB contra o sujeito passivo responsável por débitos por ela administrados, quando a soma de tais débitos exceder, simultaneamente, a i) 30% (trinta por cento) do patrimônio conhecido do sujeito passivo; e ii) R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).
Tal medida tem por objetivo o acompanhamento, pela RFB, do patrimônio do sujeito passivo que se encontre nessas condições (ou seja, que possua débitos perante à RFB em valor superior a R$ 2.000.000,00, sendo que tais débitos excedem 30% de seu patrimônio). A ideia é evitar que o sujeito passivo dilapide seu patrimônio, de forma a frustrar eventual execução fiscal futura, garantindo-se a possibilidade de satisfação do crédito do Fisco, caso venha a ser confirmado em definitivo.
O arrolamento, assim, não representa ônus real (como a penhora, por exemplo), não sendo impedida a alienação, oneração ou transferência de bens ou direitos arrolados, bastando, para tanto, que o sujeito passivo informe o Fisco sobre a tais circunstâncias no prazo de 5 dias da data da ocorrência do fato. Cumprindo-se tal requisito, em tese, a RFB deverá determinar a baixa do arrolamento, sem prejuízo da indicação de novos bens ou direitos a serem arrolados em substituição. O não cumprimento de tais regras, entretanto, possibilita a propositura, pelo Fisco, de ação cautelar fiscal, sendo essa uma medida bem mais gravosa.
Ocorre que, embora, na teoria, o arrolamento não impeça a alienação, oneração ou transferência de bens ou direitos arrolados, sabe-se que, na prática, tal medida dificulta (e muito) essas operações. Notadamente em razão das diversas burocracias impostas pela RFB, bem como pelos órgãos de registros dos bens e direitos para o cancelamento do arrolamento, por vezes, tal baixa acaba sendo dificultada. Como consequência disso, potenciais compradores acabam optando por buscar bens e direitos que não estejam gravados pelo arrolamento àqueles que são alvo de arrolamentos.
Diante desse cenário, para se evitar prejuízos aos sujeitos passivos, com a “constrição velada” de seus bens e direitos, é importante que tal medida seja adotada apenas quando, de fato, faz-se necessária a evitar a satisfação futura do direito de crédito do Fisco.
Pensando nisso, muito já se discutiu sobre a possibilidade de o arrolamento de bens e direitos ser realizado contra pessoas indicadas em autuações como supostos responsáveis solidários, quando o contribuinte principal dos débitos não sofreu qualquer arrolamento por possuir patrimônio suficiente para evitar a medida.
De um lado, a alegação do Fisco é de que, como a cobrança do débito não segue ordem e preferência (de modo que o Fisco o pode exigir a integralidade do crédito tributário seja do contribuinte principal, seja dos solidários), o arrolamento de bens e direitos acaba seguindo essa mesma lógica, devendo ser analisado de forma individual, para cada sujeito passivo. Deste modo, na visão do Fisco, mesmo que o contribuinte principal tenha patrimônio suficiente para evitar tal medida, nada impediria que eventuais solidários sofressem arrolamento por estarem em situação que tal medida é permitida.
Em contrapartida, os contribuintes alegam que se o arrolamento de bens é medida que busca assegurar que o Fisco, futuramente, tenha garantido seu direito de crédito, caso o contribuinte principal tenha patrimônio suficiente para evitar o arrolamento contra ele, por consequência, já está evidenciado que o direito de crédito do Fisco encontra-se assegurado pelo próprio contribuinte. Nessa toada, para os contribuintes, a realização de arrolamento contra os solidários (quando o contribuinte é claramente solvente) representaria um excesso de “garantia” de satisfação futura do crédito tributário.
Em âmbito administrativo, os contribuintes não têm obtido muito sucesso em suas insurgências contra arrolamentos com base na alegação de excesso de garantia, mantendo-se a RFB firme em seu posicionamento de que o arrolamento contra os solidários é possível, mesmo que o contribuinte principal seja solvente.
Já em âmbito judicial, a jurisprudência ainda não está assentada, verificando-se decisões que adotam os mais diversos posicionamentos, algumas favoráveis ao Fisco, outras favoráveis aos contribuintes, havendo, inclusive, precedentes que apontem a necessidade de antecipação da garantia em juízo (mediante depósito, fiança etc.), para se evitar o arrolamento contra solidários, mesmo quando o contribuinte principal possui patrimônio suficiente para eventualmente liquidar o crédito tributário.
Diante desse cenário, era de se esperar que a IN RFB nº 2.091/2022 apresentasse um procedimento que solucionasse esse tipo de discussão, evitando-se os prejuízos decorrentes do arrolamento nessas situações.
Ocorre que, embora a IN RFB nº 2.091/2022 demonstre certa preocupação com o tema, inclusive por introduzir algumas novas normas procedimentais que parecem tentar minimizar os problemas há tempos enfrentados pelos sujeitos passivos, ela mantém a permissão de que o arrolamento de bens e direitos seja analisado de forma individual, entre contribuinte principal e solidários.
Dentre as principais novidades verificadas pela IN RFB nº 2.091/2022, destaca-se a possibilidade de se requerer a substituição de bens e direitos arrolados dos contribuintes solidários por bens e direitos do contribuinte principal, mesmo que ele não esteja enquadrado nas situações que possibilitariam o arrolamento, prevista no artigo 15, §5º da referida IN.
Obviamente, para ser possível a substituição, é necessário que o contribuinte principal concorde em apresentar bem ou direito de sua titularidade em substituição aos bens arrolados dos solidários.
De toda forma, essa previsão permite que, por exemplo, empresas que tenham débitos perante à RFB evitem que tais pendências ocasionem maiores prejuízos a seus diretores, que, por vezes, são incluídos no polo passivo de autuações de forma indiscriminada, simplesmente pela posição de gerência que ocupam perante à sociedade, o que não é suficiente para aplicação do artigo 135, III do Código Tributário Nacional, que trata da responsabilidade solidária de sócios e administradores.
Outra novidade importante encontra-se nos artigos 13 e 14 da IN RFB nº 2.091/2022. Trata-se dos procedimentos para cancelamento do arrolamento no caso de alienação, oneração e transferência do bem ou direito arrolado.
Isso, porque, embora a norma anterior já apresentasse a possibilidade de o sujeito passivo ir diretamente ao órgão de registro do bem e direito para requerer a baixa do arrolamento, caso a RFB não adotasse as medidas necessárias ao cancelamento no prazo de 30 dias da data da comunicação do fato, agora é expressamente previsto que tal cancelamento deve ser feito independentemente de apreciação, deferimento ou autorização do pedido pela RFB.
Essa mudança evita as diversas burocracias que eram impostas, sobretudo, pelos órgãos de registro, para baixa dos arrolamentos, o que tornava demasiadamente moroso tal procedimento.
Além disso, a IN passou a prever uma penalidade ao órgão de registro dos bens e direitos caso não comunique à RFB, no prazo de 48 horas, sobre o cancelamento do arrolamento de bens e direitos, o que, igualmente, evita burocracias desnecessárias à baixa do arrolamento e agiliza o procedimento como um todo.
Assim, embora a IN RFB nº 2.091/2022 esteja no caminho certo para minimizar eventuais prejuízos aos sujeitos passivos, pela “constrição velada” de seus bens e direitos, deixou de lado outras situações importantes, como o já mencionado excesso de “garantia” quando há arrolamento contra os solidários, mesmo sem haver arrolamento contra os contribuintes principais. Sobretudo considerando que, por vezes, as autuações são redirecionadas aos solidários de forma indiscriminada, a legislação pátria não poderia seguir inerte a essas situações, devendo evitar que prejuízos sejam causados aos sujeitos passivos, sobretudo diante de autuações absolutamente improcedentes.
Nada obstante, até que essas matérias sejam reguladas de forma adequada, os sujeitos passivos possivelmente terão que se socorrer do Poder Judiciário, caso desejem debater essas situações potencialmente lesivas, lembrando que, por não haver ainda uma jurisprudência consolidada sobre esse tema em específico do arrolamento contra solidários mesmo quando o contribuinte principal é solvente, segue a incerteza sobre o sucesso de eventuais demandas nesse sentido.
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Sobre a autora:
Michelle Cristina Bispo Romano é Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, com extensão em Contabilidade pelo IBET; bacharela em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Advogada em São Paulo; e-mail para contato: michelle_bispo@hotmail.com.