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Direito tributário

Crítica ao julgamento da tese do ICMS-DIFAL de 2022

Em 29.11.2023, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADIn”) nºs 7.066, 7.070 e 7.078, tendo se manifestado pela constitucionalidade da cobrança, a partir de 5 de abril de 2022, do diferencial de alíquota (“DIFAL”) do Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes e de Comunicações (“ICMS”).

Histórico que desencadeou o debate:

A celeuma relativa ao marco inicial da cobrança do ICMS-DIFAL teve início em 2015, quando foi editada a Emenda Constitucional nº 87/2015 para alterar os incisos VII e VIII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, momento em que a Carta Magna passou a disciplinar que, nas operações interestaduais de remessas destinadas a “consumidor final”, seria devido o recolhimento:

(ii)           do ICMS-Interestadual ao Estado de origem – cuja alíquota pode ser de 7% (sete por cento) ou de 12% (doze por cento), a depender da Origem e do Destino;

(iiii)         do DIFAL (alíquota interna do Estado de Destino, subtraída a alíquota interestadual) ao Estado de Destino da operação realizada.

Em razão da nova disposição normativa, tinha-se necessária a regulamentação do tema por meio de Lei Complementar, como determina o artigo 146 e o inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição.

Em razão de inexistir Lei Complementar sobre a matéria, o Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”) expediu o Convênio ICMS nº 93/2015. Todavia, como a regulamentação da matéria não pode se dar por meio de Convênio do CONFAZ, devendo ser realizada por Lei Complementar, o STF, em 24.02.2021, julgou o Tema nº 1.093 e fixou a tese da “[n]ecessidade de edição de lei complementar visando a cobrança da Diferencial de Alíquota do ICMS – DIFAL nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais não contribuintes do imposto, nos termos da Emenda Constitucional nº 87/2015”.

Apesar do posicionamento fixado, a Suprema Corte modulou os efeitos de sua decisão e ponderou que a cobrança do ICMS-DIFAL poderia ser realizada, sem Lei Complementar, até 31.12.2021, determinando-se que o Congresso Nacional expedisse a norma específica para que fosse permitida a sua cobrança a partir de 1º de janeiro de 2022.

Em função disso, o Congresso Nacional editou a norma, que foi sancionada em 4 de janeiro de 2022 pelo Presidente da República, tendo sido publicada a Lei Complementar nº 190/2022 no dia 5 do mesmo mês, em conformidade com o quanto determinado pelo STF.

Contudo, como a norma foi publicada apenas no dia 5 de janeiro de 2022, os contribuintes passaram a defender que a cobrança só poderia ser realizada a partir de 1º de janeiro de 2023 (ou, subsidiariamente, a partir de 5 de abril de 2022), visto que as alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal disciplinam que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; [e] antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”, razão pela qual foram ajuizadas as ADIn’s nºs 7.066, 7.070 e 7.078.

Posicionamento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal:

Em que pese a argumentação apresentada, o STF, por maioria de votos (6 a 5), manifestou-se no sentido de ser constitucional a cobrança do ICMS-DIFAL no ano de 2022, de modo que a exigência não deveria respeitar o princípio da anterioridade, visto que a Lei Complementar nº 190/2022 não instituiu ou aumentou o diferencial de imposto[1].

Isso, porque não seria a Lei Complementar a norma responsável pela instituição ou pela majoração do tributo, mas, sim, a Lei Ordinária Estadual que cumpriria tal papel e, por conta disso, como os Estados (em sua maioria) já teria editado normas (Leis Ordinárias) anteriores à Lei Complementar, a instituição do ICMS-DIFAL já teria se dado antes de 1º de janeiro de 2022, sendo permitida a cobrança a partir daquele ano.

Além disso, levantou-se a ideia potencial de que o ICMS-DIFAL não seria um novo imposto, mas, sim, uma mera sistemática de arrecadação, razão pela qual a Lei Complementar nº 190/2022 não estaria instituindo o diferencial de alíquota, mas, sim, apenas regulamentaria tal mecanismo de distribuição de receitas do ICMS (imposto já existente e instituído).

Continuamente, a Suprema Corte também se posicionou no sentido de que, apesar de não ser necessário respeitar a anterioridade (nem anual, nem nonagesimal), o STF disciplinou que a cobrança só poderia se dar a partir de 5 de abril de 2022 (respeitando-se a anterioridade nonagesimal), pois a Lei Complementar nº 190/2022 disciplinou expressamente, em seu artigo 3º, que sua produção de efeitos deveria respeitar a alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição (anterioridade nonagesimal).

Deste modo, o STF firmou o posicionamento de ser constitucional a cobrança, a partir de 5 de abril de 2022, do ICMS-DIFAL.

Críticas ao posicionamento firmado pela Suprema Corte:

Em primeiro lugar, é de se criticar, data venia, o posicionamento do STF no sentido de que a Lei Ordinária Estadual (anterior à Lei Complementar nº 190/2022) já teria instituído a cobrança do ICMS-DIFAL antes de 1º de janeiro de 2022 e, por isso, a cobrança não teria de respeitar, naquele ano, o princípio da anterioridade, em função de que a Lei Ordinária já teria respeitado tal princípio em anos anteriores.

Isso, porque o próprio STF, em outras oportunidades, já disciplinou que “a existência de previsão constitucional não basta para que o legislador estadual possa fazer incidir o imposto” (RE nº 580.903 AgR / PR), razão pela qual a Lei Ordinária, sem que haja prévia Lei Complementar, não é capaz, por si, a instituir a cobrança do ICMS-DIFAL, justamente porque eventuais tentativas de cobrança praticadas por Estados antes da edição da Norma Geral de Direito Tributário mostrar-se-iam irregulares, pois careceriam de estrutura normativa completa: Constituição Federal → Lei Complementar → Lei Ordinária.

Esse racional fica ainda mais evidente quando se nota o posicionamento do STF no Recurso Extraordinário nº 439.796, realizado sob o rito da repercussão geral, em que se decidiu que a cobrança do ICMS incidente sobre importações realizadas por não contribuinte do imposto só seria autorizada caso houvesse prévia lei complementar sobre a matéria, pois, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa, “[a] norma que institui o tributo deve encontrar fundamento de validade nas normas gerais, imprescindíveis para o ICMS”, pois, assim, será concluído o “fluxo de positivação”.

Assim sendo, data venia, não se faz possível compreender pela constitucionalidade da cobrança do ICMS-DIFAL para o ano de 2022, visto que a Lei Ordinária Estadual expedida antes de ser exarada a Lei Complementar não é hábil a instituir o tributo, razão pela qual, após o advento da LC nº 190/2022, data venia, seria de rigor reconhecer que a cobrança do diferencial de alíquota só poderia se dar a partir de 1º de janeiro de 2023, pois só depois de expedição da Norma Geral de Direito Tributário que ocorreu a conclusão do fluxo de positivação (Constituição → Lei Complementar → Lei Ordinária).

Em segundo lugar, não se pode acolher, data venia, o argumento de que o ICMS-DIFAL não seria um novo imposto, mas, sim, uma mera sistemática de arrecadação e, por isso, a Lei Complementar nº 190/2022 não estaria instituindo o diferencial de alíquota, mas, sim, apenas regulamentaria tal mecanismo de distribuição de receitas do ICMS (imposto já existente e instituído).

Isso, porque o próprio STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.287.019/DF, manifestou-se no sentido de que a Emenda Constitucional nº 87/2015 criou nova relação jurídico-tributária e, por conta disso, há a instituição de tributo (ainda que seja uma nova sistemática de um tributo já existente).

Tanto isso é verdade que, se a EC nº 87/2015 tivesse introduzido uma mera sistemática de repasse de receitas a Entes Federativos (sem a instituição de uma nova relação jurídico-tributária), seria desnecessária a edição de uma lei complementar para sua regulamentação, de modo que a inconstitucionalidade do Convênio ICMS nº 93/2015 reforça a existência de uma nova relação jurídica.

Por conta disso, data venia, não se pode concordar com o entendimento de que o ICMS-DIFAL não seria um novo imposto, mas, sim, uma mera sistemática de arrecadação, justamente porque o próprio STF reconheceu que a Emenda Constitucional nº 87/2015 criou nova relação jurídico-tributária.

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[1] Frise-se que, até o momento (07.12.2023), o acórdão ainda não foi publicado, de modo que a exposição das razões de voto do STF foram baseadas (ii) nas manifestações orais exaradas pelos Ministros e que foram transmitidas via YouTube, e (iiii) em notícias veiculadas em diversos veículos de comunicação (JOTA, Consultor Jurídico – ConJur, Migalhas, Valor, entre outros). Por conta disso, há a possibilidade de que a versão final do acórdão contenha alguns detalhes que podem ter deixado de constar ou que podem ser diversos do relato ora apresentado.

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Sobre o autor:

Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.

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