Em 15 de dezembro de 2011, foi publicada a Lei nº 12.546/2011, que instituiu a contribuição previdenciária sobre a receita bruta (“CPRB”) em substituição das contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre a folha de salários, beneficiando determinados setores da economia.
Após a edição de algumas normas (Decreto, Medida Provisória e Leis), chegou-se à atual delimitação de 17 (dezessete) atividades enquadradas na sistemática da CPRB, que, ao invés de incidir a alíquota de 20% (vinte por cento) sobre a folha de salários, essas atividades estarão sujeitas a alíquotas de 1% (um por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento) sobre a receita bruta (a depender da atividade exercida pelo contribuinte).
Essa sistemática de tributação foi originalmente prevista para viger até 31 de dezembro de 2014. Contudo, normas posteriores foram prorrogando a vigência da CPRB, o que perdurou até 31 de dezembro de 2023.
Em razão desse regime de tributação possuir caráter extrafiscal, visto que incentiva a contratação de mão-de-obra, motivando a geração de emprego, o Congresso Nacional propôs a prorrogação da CPRB para até 31 de dezembro de 2027, fazendo surgir, nesse momento, o embate “coloca o casaco, tira o casaco” de Direito Tributário.
Enquanto o Congresso Nacional discutia o Projeto de Lei nº 334/2023 (“coloca o casaco”), o Governo Federal já solicitava que a propositura fosse rejeitada, visto que isso poderia causar um impacto negativo nas contas públicas (“tira o casaco”). Apesar disso, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº 334/2023 (“coloca o casaco”).
Irresignado, o Governo Federal, por meio da Presidência da República, vetou o Projeto de Lei nº 334/2023 (“tira o casaco”). Apesar do inconformismo do Governo, o Congresso Nacional se reuniu e derrubou o veto presidencial, promulgando, assim, a Lei nº 14.784/2023 (publicada em 28 de dezembro de 2023) que estendeu a sistemática da contribuição substitutiva para até 31 de dezembro de 2027 (“coloca o casaco”).
Um dia após a promulgação e publicação da Lei nº 14.784/2023, o Governo Federal publicou a Medida Provisória (“MP” ou “MPV”) nº 1.202/2023, que, dentre outros temas, reonerou gradativamente a folha de salários das atividades então beneficiadas pela sistemática da CPRB (“tira o casaco”), até que, em 2028, a tributação da folha fosse integralmente restabelecida.
Em razão da impopularidade da medida junto ao Mercado, em ante à provável rejeição da MPV nº 1.202/2023, o Governo Federal cedeu e, assim, publicou, em 28 de fevereiro de 2024, a Medida Provisória nº 1.208/2024, revogando a MPV nº 1.202/2023 na parte em que a norma determinava a reoneração da folha de salários (“coloca o casaco”). Assim, a desoneração da folha de salários estaria mantida até 31 de dezembro de 2027.
Contudo, a Presidência da República (por meio da Advocacia Geral da União) ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADIn”) nº 7.633 para que fosse declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 14.784/2023 em razão de um suposto descumprimento ao artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que disciplina que “[a] proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”, o que não teria sido respeitado pelo Congresso Nacional.
Ante o ajuizamento da ADIn nº 7.633, a matéria foi remetida ao Ministro Relator (Ministro Cristiano Zanin) para a apreciação da medida cautelar pleiteada, tendo sido concedida a cautelar, de modo que restou suspensa a eficácia da desoneração da folha (“tira o casaco”).
Após esse “coloca o casaco, tira o casaco”, a pergunta que fica é: A desoneração da folha é realmente inconstitucional? Isto é, houve violação ao artigo 113 do ADCT?
A resposta é negativa. Isso, porque a prorrogação não é uma modificação do regime, mas, sim, que aquele regime “beneficiado” já existente vigerá por um tempo superior àquele originalmente previsto, de modo que não há uma alteração da sistemática e, por conta disso, não haveria necessidade da proposta estar acompanhada do impacto orçamentário e financeiro.
Ademais, porque é uma sistemática de arrecadação que já existia e, por isso, o impacto de sua ampliação já é de conhecimento do Congresso Nacional e do próprio Governo Federal. Afinal, se um regime beneficiado já existe, sua ampliação temporal terá como impacto orçamentário e financeiro aquele mesmo impacto que já havia sido constatado enquanto a sistemática estava vigente antes de sua prorrogação.
Deste modo, data venia, é de se concluir pela não concessão da medida cautelar pleiteada pela Presidência da República e, ao final, que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na ADIn nº 7.633, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei nº 14.784/2023 e da desoneração da folha de pagamentos.
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.