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Direito tributário

Inconstitucionalidade da Lei n. 14.789/2023 que determina a tributação das subvenções para investimento

De acordo com o artigo 38 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, as subvenções para investimento não seriam computadas na determinação do lucro real e, por isso, não seriam tributáveis pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”). Isso, inclusive, foi reforçado pela redação original do artigo 30 da Lei n. 12.973/2014.

De igual modo, o inciso X do § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.637/2002 e o inciso IX do § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.833/2003 disciplinam que as subvenções para investimento também não integram as bases de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”) e, por isso, tais valores não são oferecidos à tributação das mencionadas contribuições.

Posteriormente, por força da Lei Complementar n. 160/2017, houve a inclusão do §4º ao artigo 30 da Lei n. 12.973/2014 e, por isso, os benefícios fiscais de ICMS concedidos por Estados foram equiparados a subvenções para investimento (inclusive aqueles instituídos à revelia do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ que foram ‘convalidados’ por aquela Lei Complementar), de modo que tais valores não poderiam ser tributados pelo IRPJ, pela CSLL, pelo PIS e pela COFINS.

Ocorre que a Receita Federal do Brasil (“RFB”) sempre tentou obstaculizar a aplicação do posicionamento firmado pela Lei Complementar n. 160/2017, o que fez com que houvesse a judicialização do tema e, por conta disso, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) teve de ‘dizer o óbvio’ para reforçar aquilo que já havia sido positivado, tendo se manifestado no seguinte sentido:

(i)           quando do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial (“EREsp”) n. 1.517.492/PR, fixou-se o entendimento de que o crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL (independentemente de estarem ou não registrados na conta de reserva de lucros do patrimônio líquido); e

(ii)         quando do julgamento dos Recursos Especiais (“REsp’s”) n.s 1.945.110 e 1.987.158 pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema n. 1.182), fixou-se o entendimento de que, se forem atendidos aos requisitos legais do artigo 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e do artigo 30 da Lei n. 12.973/2014, os benefícios fiscais de ICMS (redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, entre outros) são equiparados a subvenções para investimento e, por conta disso, não integram a base de cálculo de IRPJ e CSLL.

Por conta disso, as subvenções passaram a ser classificadas da seguinte maneira: (i) subvenções para custeio, que são incluídas nas bases de cálculo de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, (ii) subvenções para investimento, que não são incluídas nas bases de cálculo dos referidos tributos se registradas no patrimônio líquido na conta de reservas de lucros, (iii) benefícios fiscais do ICMS, que são equiparados a subvenções para investimento, que também não são incluídos nas bases de cálculo dos tributos federais se estiverem registrados na conta de reserva de lucros, e (iv) créditos presumidos do ICMS, que são igualmente equiparados a subvenções para investimento e independem de registro na conta de reserva de lucros do patrimônio líquido para não terem de ser oferecidos à tributação do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS.

Embora o tema estivesse aparentemente pacificado, a União Federal, inconformada com a potencial perda de arrecadação que poderia ser ocasionada pela legislação de 2017 e pelo posicionamento jurisprudencial, optou por editar a Medida Provisória n. 1.185/2023 (posteriormente convertida na Lei n. 14.789/2023) para, assim, determinar que, a partir de 1º de janeiro de 2024, todas as subvenções (inclusive as subvenções para investimento) e, consequentemente, todos os incentivos fiscais de ICMS que são equiparados a subvenções passassem a ser incluídos nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, apurados pela sistemática do lucro real, e do PIS e da COFINS, apurados pelo regime da não-cumulatividade.

Ocorre que, ao assim disciplinar, a Lei n. 14.789/2023 acabou por incorrer em um sem-número de inconstitucionalidades.

Em primeiro lugar, porque a Medida Provisória, posteriormente convertida na mencionada Lei, buscou se desviar do entendimento que havia sido fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, criando um novo arcabouço legislativo para desrespeitar a interpretação dada pelo Poder Judiciário, o que pode vir a configurar uma afronta à separação dos Poderes (em violação ao artigo 2º da Constituição Federal).

Isso fica ainda mais evidente quando se nota o interesse, manifestado na alínea “a” do inciso III do artigo 2º da Lei n. 14.789/2023, em equiparar os créditos presumidos em subvenções para investimento (“[p]ara os fins do disposto no art. 1º desta Lei, considera-se crédito fiscal de subvenção para investimento - o direito creditório decorrente de implantação ou expansão do empreendimento econômico subvencionado por ente federativo”), o que tornaria sem efeito o posicionamento manifestado pelo STJ nos EREsp n. 1.517.492/PR de que o crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL (independentemente de estarem ou não registrados na conta de reserva de lucros do patrimônio líquido).

Ou seja, apesar de o STJ, quando do julgamento do EREsp n. 1.517.492/PR e do Tema n. 1.182, ter subdividido os benefícios fiscais em 4 (quatro) categorias – (i) subvenções de custeio, (ii) subvenções para investimento, (iii) benefícios do ICMS equiparados a subvenções para investimento, e (iv) créditos presumidos de ICMS –, a Medida Provisória e a posterior Lei de Conversão aglutinaram essa classificação em um único bloco, qual seja das subvenções que devem ser oferecidas à tributação (e se forem preenchidos alguns requisitos, conceder-se-á um crédito fiscal de IRPJ por seu aproveitamento).

Deste modo, tem-se nítido o “inconformismo” com um posicionamento do Poder Judiciário e a violação ao artigo 2º da Constituição Federal. Mas não é só, visto que a referida norma, em segundo lugar, visa também abolir (ou ser tendente a abolir) o pacto federativo.

Isso, porque os artigos 1º e 18 da Carta Magna estabelecem que União, Estados, Distrito Federal e Municípios são Entes Federativos autônomos entre si, sendo esta uma das características da República Federativa do Brasil.

No caso da tributação das subvenções para investimento (incentivos fiscais de ICMS e créditos presumidos desse imposto) – que são comumente concedidas (em claro ato de renúncia fiscal) com a finalidade de fomentar o desenvolvimento regional (geração de emprego, implementação e/ou melhoria de infraestrutura local etc.) –, trata-se do pleno exercício da competência de (não) tributar de Estados e do Distrito Federal, sendo verdadeira política de administração pública do Ente Federativo.

Deste modo, a União, ao tentar interferir na política pública que é adotada por outro Estado da Federação, acaba por agir de maneira tendente a abolir o Pacto Federativo em razão da utilização da “força” (política, econômica ou legislativa) para reduzir a abrangência ou inviabilizar a concretização dessa política pública (sendo, inclusive, um mecanismo antidemocrático).

Isso fica ainda mais evidente quando se coloca o resultado dessa tributação no papel: Sendo concedida uma benesse que reduz a carga tributária do ICMS em R$ 1.000,00, ao se tributar esse resultado pelo IRPJ (25%), pela CSLL (9%), pelo PIS (1,65%) e pela COFINS (7,6%), totalizando uma carga tributária de 43,25% (quarenta e três inteiros e vinte e cinco centésimos por cento), o contribuinte terá de pagar o valor de R$ 432,50, de modo que seu benefício efetivo será apenas de R$ 567,50, ou seja, 43,25% menor.

Ocorre que, ao adotar uma medida tendente a abolir o Pacto Federativo (e que pode ser compreendida, inclusive, como sendo antidemocrática), viola-se o inciso I do § 4º do artigo 60 da Constituição, que disciplina que “[n]ão será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”.

Isso, inclusive, é reforçado pelo fato de que o Ministro Gilmar Mendes e o Dr. Paulo Gonet Branco possuem o entendimento de que “se deve compreender o art. 60, § 4º, da CF, como proibição à deliberação de proposta tendente a abolir, isto é, a mitigar, a reduzir, o significado e a eficácia da forma federativa do Estado, do voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição. São Paulo: Saraiva. 2018).

Por conta disso, a Lei n. 14.789/2023 acaba por ser inconstitucional, também, por ser tendente a violar o Pacto Federativo insculpido nos artigos 1º e 18 da Constitucional, sendo contrário, portanto, ao inciso I do § 4º do artigo 60 da Carta Magna.

Em terceiro lugar, porque, como se viu do exemplo numérico acima, uma política fiscal que fosse render um benefício de R$ 1.000,00 ao contribuinte é reduzida para apenas o montante de R$ 567,50, de modo que a política fiscal está sendo tributada pela União a uma alíquota de 43,25%.

Contudo, de acordo com a disposição da alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição, é vedado que um Ente Federativo (neste caso, a União) institua impostos sobre patrimônio, renda ou serviços de outro Ente Federativo (in casu, Estados) e, por conta disso, a Lei ora em análise acaba por ser inconstitucional, visto que institui a incidência, de maneira indireta, de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre a renda e o patrimônio dos Estados (já que há uma renúncia fiscal – ou seja, renda – que é instituída com a finalidade de desenvolvimento regional – isto é, o patrimônio, tido como toda infraestrutura desenvolvida pelos Estados).

Em quarto lugar, tem-se a inconstitucionalidade da medida, pois a União está invadindo a competência dos Estados e do Distrito Federal ao tributar de maneira indireta fato jurídico que é sujeito à incidência do ICMS (e que deixa de ser recolhido pelo contribuinte em função do benefício estadual que lhe foi concedido – crédito presumido), de modo que a incidência dos tributos federais – IRPJ, CSLL, PIS e COFINS – está invadindo a competência tributária dos Estados.

Por conta disso, tem-se a violação (i) ao inciso II do artigo 155 da Constituição (que disciplina que “[c]ompete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”), visto a tributação de fatos jurídicos que são de competência tributária de Estados, e (ii) à alínea “g” do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Carta Magna (que consigna que “cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”), visto a alteração de normas regulamentares, por Lei Ordinária, relacionadas à concessão de benefícios fiscais (créditos presumidos), o que, além de não ser de competência da União, deveria se dar por Lei Complementar.

Por fim, em quinto lugar, tem-se a indevida ampliação das materialidades dos tributos federais exigidos pela União (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), visto que eles incidem (tal como dispõe o inciso III do artigo 153 e as alíneas “b” e “c” do inciso I do artigo 195 da Constituição, bem como o artigo 43 do Código Tributário Nacional, o artigo 2º da Lei n. 7.689/1988, e as Leis n.s 10.637/2002 e 10.833/2003) sobre “receita”, “lucro” e “renda”.

Isso, porque os termos “receita”, “lucro” e “renda” pressupõem haja um acréscimo patrimonial por parte do contribuinte e, no caso das subvenções (e, principalmente, dos créditos presumidos de ICMS), não se verifica um efetivo acréscimo de valor ao patrimônio do contribuinte, havendo apenas e tão somente uma redução do custo tributário com o ICMS (e a redução de um custo não é um acréscimo ao patrimônio do contribuinte) – o que é reforçado pelo fato de que o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp n. 1.836.082/SE, manifestou-se no sentido que um desconto concedido representa uma parcela redutora do custo, não se caracterizando como receita, razão pela qual não incide PIS/COFINS sobre tal desconto.

Por conta disso, é de se notar que a Lei n. 14.789/2023 (oriunda da conversão da Medida Provisória n. 1.185/2023) é inconstitucional em razão (i) da violação ao pacto federativo (contrariedade ao artigo 1º, ao artigo 18, ao inciso I do § 4º do artigo 60 da Carta Magna), (ii) da invasão de competências constitucionais (em oposição ao inciso II do artigo 155 da Constituição e à alínea “g” do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Lei Maior), e (iii) da indevida violação à materialidade do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS (em violação ao inciso III do artigo 153 e às alíneas “b” e “c” do inciso I do artigo 195 da Constituição, bem como ao artigo 43 do Código Tributário Nacional, ao artigo 2º da Lei n. 7.689/1988, e às Leis n.s 10.637/2002 e 10.833/2003).

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Sobre o autor:

Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.

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