Em 2021, ante a grave crise sanitária da COVID-19 (Coronavírus), foi publicada a Lei nº 14.148/2021, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (“PERSE”), que reduziu a 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, as alíquotas de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), Contribuição para o Programa de Integração Social (“PIS”) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), em favor dos contribuintes que exerciam, direta ou indiretamente, 44 (quarenta e quatro) atividades vinculadas a eventos e turismo.
Apesar da publicação da lei ter ocorrido em 04 de maio de 2021, o benefício da alíquota zero só começou a viger em março de 2022, após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional, encerrando-se, portanto, em fevereiro de 2027.
Posteriormente, em 29 de dezembro de 2023, foi expedida a Medida Provisória nº 1.202/2023 que, no inciso I de seu artigo 6º, disciplinava sobre a extinção faseada de tal benefício concedido pelo PERSE, de modo que (i) a alíquota zero da CSLL, do PIS e da COFINS será extinta a partir de 1º de abril de 2024, e (ii) a alíquota zero do IRPJ será revogada a partir de 1º de janeiro de 2025.
Em meio a esse “vai-não vai”, mais um capítulo dessa novela foi apresentado. A disposição da Medida Provisória acima mencionada foi revogada por meio da Lei nº 14.859/2024. Contudo, a mencionada Lei também alterou sensivelmente os benefícios do PERSE que tinham sido originalmente instituídos pela Lei nº 14.148/2021.
Com isso, a nova legislação reduziu de 44 para 30 as atividades principais que poderão se valer do programa, conforme indicação do CNAE principal exercido em 18.03.2022, não se aplicando às empresas que estavam inaptas naquela data.
Em síntese, as atividades que passaram a deter o direito de se valer do PERSE são: (i) hoteis e apart-hoteis, (ii) serviços de bufê, (iii) atividades de exibição cinematográfica, (iv) atividades de feiras, exposições e congêneres (e atividades correlatas, como criação de estandes), (v) casas de festas e eventos, discotecas, danceterias e salões de dança, e eventos esportivos e sua promoção), (vi) fotografia e filmagem de festas e eventos, (vii) agenciamento de profissional esportivo, cultural e artístico (e organização associativa ligada à cultura e à arte), (viii) aluguéis de equipamentos recreativos, esportivos, palcos, coberturas, e estruturas temporárias, (ix) produções de teatro, de musical, de espetáculos de dança, e de espetáculos circenses e de marionetes, (x) artes cênicas, (xi) sonorização e iluminação, (xii) bares e restaurantes (com ou sem entretenimento), (xiii) agência de viagens e operadores turísticos, (xiv) jardim botânico, zoológico, parque nacional, reserva ecológica, área de proteção ambiental, e (xv) parque de diversão e parque temático.
Há a necessidade que o contribuinte tenha cadastrado como atividade principal o CNAE de uma das atividades acima mencionadas ou exerça como atividade preponderante uma das atividades supracitadas para fazer jus ao benefício.
As atividades dos itens (xi) a (xv), e as atividades de organização associativa ligada à cultura e à arte, só fruirão do benefício se demonstrarem estar cadastradas no CADASTUR desde 30.05.2023.
Os contribuintes que apuram o IRPJ e a CSLL pela sistemática do lucro real ou arbitrado, o benefício concedido será condicionado à habilitação prévia (que permitirá o aproveitamento do benefício também para períodos retroativos) que deverá ser apresentada no prazo de 60 (sessenta) dias, indicando (i) se o contribuinte fará uso de prejuízo fiscal, base de cálculo negativa da CSLL e créditos de PIS e COFINS oriundos de insumos, (ii) se o contribuinte se aproveitará das reduções de alíquotas dos tributos.
Além disso, estabeleceu um teto de R$ 15 bilhões para os incentivos fiscais do PERSE, o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas.
Vale salientar que o “novo” PERSE, da Lei nº 14.859/2024, é bem menos maléfico que a extinção do Programa, como havia sido inicialmente aventado por meio da Medida Provisória nº 1.202/2023. Contudo, o “novo” benefício fiscal é mais restritivo do que aquele que foi imaginado originalmente (e, pior, diversos contribuintes que, antes, faziam jus à medida, agora serão obrigados a recolher os tributos pela “alíquota cheia”).
Por conta disso, o que se vê, na realidade, é que a nova Lei está, na verdade, revogando (ainda que parcialmente) o PERSE que foi originalmente instituído pela Lei nº 14.148/2021. Ocorre que tal revogação é ilegal (e, consequentemente, inconstitucional). Explica-se.
De acordo com o artigo 146 da Constituição Federal, cabe à Lei Complementar servir como Norma Geral de Direito Tributário que tenha por finalidade regular as limitações constitucionais ao Poder de Tributar (inciso I).
Justamente por isso que o Código Tributário Nacional – CTN (que tem status de Lei Complementar, por força do § 5º do artigo 34 dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT), como forma de regular o Princípio da Segurança Jurídica e o Princípio da Não Surpresa (limitadores constitucionais ao Poder de Tributar), disciplina, em seu artigo 178, que as isenções condicionadas que são concedidas por prazo determinado não podem ser revogadas por Lei.
No caso do PERSE, trata-se de uma isenção de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS que foi concedida de maneira condicionada (visto que exige que os contribuintes estejam cadastrados no CADASTUR até determinada data) e por prazo determinado, mais especificamente 60 (sessenta) meses. Por conta disso, o PERSE não poderia ser revogado antes do término do prazo estipulado legalmente de 5 (cinco) anos.
Contudo, a Lei nº 14.859/2024 desrespeitou o comando do artigo 178 do CTN, sendo uma medida, portanto, ilegal, o que acaba por violar, via conexa, o Princípio da Segurança Jurídica e da Não Surpresa, sendo, assim, uma medida também inconstitucional.
Apesar disso, já é seguro afirmar que esse é “o triste fim do PERSE”, já que nem todos os contribuintes judicializarão a matéria, o que já permite concluir que, ainda que parcialmente, o PERSE imaginado inicialmente descansa em paz (a paz que falta aos contribuintes diante de tanta insegurança jurídica).
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.