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Direito tributário

Obrigações acessórias não obstam o direito de crédito em compensações tributárias

O Código Tributário Nacional (“CTN”), em seu artigo 165 e seguintes, reconhece o direito do sujeito passivo de requerer a restituição dos tributos indevidamente recolhidos (ou recolhidos em valor superior ao devido), sendo autorizado, também, tal como disposto no artigo 170 do Codex, a compensação dos créditos do sujeito passivo com os débitos vencidos e vincendos.

A Receita Federal do Brasil (“RFB”), por seu turno, para autorizar a compensação dos créditos com os débitos do sujeito passivo, regularmente exige que o contribuinte realize a retificação de suas obrigações acessórias, de modo que o cumprimento de deveres instrumentais passa a ser, aos olhos do Fisco, requisito indispensável para que a compensação seja homologada.

Isso pode ser verificado no caso dos créditos previdenciários anteriores ao eSocial, visto que (i) o inciso I do artigo 4º da Portaria MPS nº 133/2006 dispõe que “compensação ou pedido de restituição [...] será precedido de retificação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social – GFIP”, (ii) o inciso I do artigo 6º da extinta Instrução Normativa SRP nº 15/2006 disciplinava que “a compensação deverá ser precedida de retificação das GFIP”, e (iii) o artigo 11 da extinta Instrução Normativa RFB nº 1.717/2017 disciplinava que “[a] restituição [e, consequentemente, a compensação] das contribuições previdenciárias declaradas incorretamente fica condicionada à retificação da declaração”.

De igual modo, tal entendimento é aplicável aos créditos previdenciários posteriores ao eSocial e aos créditos tributários (não previdenciários), isto é, a RFB permanece exigindo o cumprimento de tal obrigação acessória, como se vê da Instrução Normativa RFB nº 2.005/2021, no § 6º de seu artigo 16, que disciplina sobre a necessidade de apresentação de declarações retificadas quando há a necessidade de alterar informações com a “finalidade de reduzir o valor de débitos já declarados”, o que é reforçado pelo Parecer Normativo COSIT nº 2/2015 ao reiterar que “[a] DCTF retificadora terá a mesma natureza da declaração originariamente apresentada e servirá para [...] reduzir os valores de débitos já informados”.

Ocorre que, por força dos diplomas infralegais acima mencionados, é comum que a Autoridade Fiscal, quando da análise de uma declaração de compensação que tenha sido transmitida por algum sujeito passivo, deixe de homologar o pleito do contribuinte com base no entendimento de que ele não teria cumprido com seu dever instrumental e, por conta disso, seria inviabilizado o reconhecimento de seu direito creditório.

Todavia, diferentemente do quanto compreendido pela Autoridade Fiscal, não pode a Receita Federal do Brasil deixar de reconhecer a existência de um direito de crédito em favor do contribuinte em razão do argumento de que o sujeito passivo teria deixado de cumprir uma obrigação acessória, visto que, nesse caso, o Fisco estará, na realidade, vinculando o crédito (questão de Direito material) a uma mera formalidade, o que acaba por violar (i) o princípio da capacidade contributiva (§ 1º do artigo 145 da Constituição), ao permitir a cobrança (sem a devida devolução) de tributo indevido, (ii) o princípio do não confisco (inciso IV do artigo 150 da Carta Magna) ao permitir que a exação se dê além do fato gerador, atingindo o patrimônio do contribuinte.

Não bastasse isso, o Fisco, por uma formalidade, consagra o vedado enriquecimento sem causa (ou enriquecimento ilícito) por parte da Receita Federal do Brasil, em contrariedade, em violação aos artigos 884 a 886 do Código Civil (e em desrespeito ao próprio artigo 165 e seguintes do CTN), haja vista a permissão para que a Autoridade Fiscal retenha para si valor pertencente a outrem.

Por conta disso, apesar de a Autoridade Fiscal regularmente não homologar a compensação do contribuinte que é pleiteada sem a retificação de seus deveres instrumentais, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (inclusive em âmbito da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF) tem se pronunciado no sentido de prevalecer o princípio da verdade material e, em sendo reconhecido o direito creditório, homologa-se a compensação, justamente em razão de não ser possível deixar de reconhecer o crédito em favor do sujeito passivo em função do mero descumprimento de um dever instrumental (que, quando muito, pode ser apenado com a aplicação de uma multa isolada, não com a não homologação da compensação).

Nesse sentido, é o que se vê do próprio Parecer Normativo COSIT nº 2/2015 – exarado como forma de tornar a análise das declarações de compensação em conformidade com a jurisprudência até então dominante do CARF –, que dispõe que “[n]ão há impedimento para que a DCTF seja retificada depois de apresentado o PER/DCOMP que utiliza como crédito pagamento inteiramente alocado na DCTF original, ainda que a retificação se dê depois do indeferimento do pedido ou da não homologação da compensação”.

De igual modo, a Súmula CARF nº 164 reconhece que, apesar da retificação da DCTF, quando realizada após a prolação do despacho decisório, não ser suficiente para o reconhecimento do direito de crédito, tem-se possível a comprovação do crédito que evidencia o erro na transmissão da declaração original.

Até por isso que a CSRF, em 29.06.2023, deu provimento ao recurso especial do contribuinte (no processo nº 19515.720078/2014-86, acórdão nº 9202-010.820), homologando a compensação pleiteada pelo sujeito passivo, por compreender que os descumprimentos de deveres instrumentais “não são suficientes para macular o crédito e ensejar a consequente glosa da compensação”, visto que as obrigações acessórias não são algo “determinante para que seja deferida a compensação”, pois “esta obrigação reveste-se de natureza acessória”.

Esse posicionamento da CSRF do CARF vai em conformidade com o entendimento já manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, quando do julgamento do recurso especial nº 1.501.140/DF, que rechaçou a determinação de retificação das GFIPs, pois tal imposição não constaria em lei, apenas em instrumentos normativos secundários, como se vê do posicionamento no sentido de que “[a] exigência, [...] de retificação da [...] GFIP para a compensação dos valores indevidamente recolhidos a título de contribuição previdenciária sobre os subsídios dos ocupantes de cargo eletivo, regulamentada pelo art. 4°, I, da Portaria MPS 133/2006 tendo como pretenso fundamento o art. 32, IV, da Lei 8.212/1991, é ilegítima, porque criou verdadeira obrigação tributária que só poderia ser instituída por lei específica”.

Deste modo, é de se concluir que não pode a Autoridade Fiscal obstar o reconhecimento ao direito de crédito do sujeito passivo com base no entendimento de que o contribuinte teria descumprido deveres instrumentais, visto que tal posicionamento não se coaduna com o princípio da verdade material, viola os princípios da capacidade contributiva (§ 1º do artigo 145 da Constituição) e do não confisco (inciso IV do artigo 150 da Carta Magna), além de consagrar o vedado enriquecimento sem causa (ou enriquecimento ilícito) por parte da Receita Federal do Brasil (em contrariedade aos artigos 884 a 886 do Código Civil e ao próprio artigo 165 e seguintes do CTN).

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Sobre a autora:

Michelle Cristina Bispo Romano é Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, com extensão em Contabilidade pelo IBET; bacharela em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Advogada em São Paulo; e-mail para contato: michelle_bispo@hotmail.com.

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