O título do presente artigo pode lhe trazer uma estranheza, afinal, não se está falando de Direito Tributário? O que as batatas têm a ver com o Programa Emergencial para Recuperação do Setor de Eventos (“PERSE”)? Tranquilize-se, pois já se compreenderá a relação entre o mencionado benefício fiscal e o citado tubérculo da família das leguminosas.
Tornando ao início e compreendendo toda a celeuma, vale relembrar que, em função da pandemia do coronavírus (Covid-19), o Governo Federal instituiu a Lei nº 14.148/2021, que reduziu a 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, as alíquotas de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), Contribuição para o Programa de Integração Social (“PIS”) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), em favor dos contribuintes que exercem, direta ou indiretamente, atividades relacionadas a eventos e turismo.
Apesar da publicação da lei ter ocorrido em 04 de maio de 2021, o benefício da alíquota zero só começou a viger em março de 2022, após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional, encerrando-se, portanto, em fevereiro de 2027.
Contudo, antes do encerramento do referido prazo, o Governo Federal publicou a Medida Provisória (“MP” ou “MPV”) nº 1.202/2023 que, no inciso I de seu artigo 6º, disciplina sobre a extinção faseada de tal benefício concedido pelo PERSE, de modo que (i) a alíquota zero da CSLL, do PIS e da COFINS será extinta a partir de 1º de abril de 2024; e (ii) a alíquota zero do IRPJ será revogada a partir de 1º de janeiro de 2025.
Apesar de o Ministério da Fazenda ter se manifestado que “desistiria” do trecho da MPV nº 1.202/2023 que trata da revogação do PERSE (inciso I do seu artigo 6º) e, por conta disso, encaminharia o tema ao Congresso Nacional por meio de Projeto de Lei (fonte: Exame, em 05.03.2024), ainda não houve a edição de qualquer Medida Provisória revogando o inciso I do artigo 6º da MPV nº 1.202/2023 e, por isso, a norma segue válida e produzirá seus regulares efeitos a partir de 1º de abril de 2024.
Por conta disso, diversos contribuintes começaram a ajuizar ações judiciais (via de regra, mandados de segurança) questionando a legalidade do inciso I do artigo 6º da MPV nº 1.202/2023 por força da violação ao artigo 178 do Código Tributário Nacional (“CTN”), visto que o referido dispositivo disciplina que “[a] isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo”.
Ora, se a isenção pode ser revogada a qualquer tempo quando ela não for condicionada e quando ela não possuir prazo determinado, então a isenção não pode ser revogada se ela for condicionada e tiver sido concedida por prazo determinado.
Isso se faz relevante, pois (i) o PERSE é uma isenção condicionada, visto que o contribuinte, para fazer jus ao aproveitamento do benefício, deveria estar inscrito no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (“CADASTUR”), e (ii) o PERSE é uma isenção concedida por prazo determinado, já que se pode aproveitar da redução das alíquotas pelo prazo máximo de 60 (sessenta) meses.
Por conta disso, seria de rigor que se respeitasse o artigo 178 do CTN e não se autorizasse a revogação do PERSE, já que é um benefício condicionado concedido por prazo determinado, sob pena de se violar o princípio da segurança jurídica e ofender o princípio da “não-surpresa” do contribuinte.
Apesar de ser bastante claro o direito dos contribuintes (o que está gerando, com razão, a judicialização do tema), o Fisco Federal tem prestado suas informações nos mandados de segurança, requerendo a não concessão da segurança pleiteada pelos contribuintes (de modo que sua manifestação é uma espécie de “contestação”).
Mas se há uma disposição legal (artigo 178 do CTN) tão clara em favor dos contribuintes, o que o Fisco está argumentando nos processos? Pois bem. No caso das informações que foram prestadas pela Receita Federal do Brasil (“RFB”) nos autos do processo nº 5001270-45.2024.4.03.6100 (ID nº 315364564), os argumentos pela regularidade do inciso I do artigo 6º da MPV nº 1.202/2023 são os seguintes:
(i) que “o benefício tributário em questão – a redução das alíquotas a zero por 60 meses – não se confunde com isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições”, pois “se trata de redução de alíquota, instituto de natureza distinta da isenção”, visto que “[a] isenção impede a incidência do tributo, operando no aspecto material da regra-matriz de incidência tributária” e, por outro lado, “a redução a zero da alíquota opera em seu aspecto quantitativo, de modo que incide o tributo, mas seu valor é zero” (pág. 4); e
(ii) que o PERSE não seria uma isenção condicionada, visto que a legislação trataria apenas de uma “simples fixação de critérios para ter o direito de usufruir o benefício fiscal”.
Com relação ao primeiro argumento, o Fisco Federal incorre em erro conceitual ao tentar trazer uma diferença entre “redução de alíquota” e “isenção”, disciplinando que a primeira recairia sobre o critério quantitativo da regra-matriz de incidência (atingindo a alíquota) e a segunda, diferentemente, atingiria o critério material da regra-matriz, impedindo a incidência da norma.
E a RFB incorre em erro, visto que, como bem ensina o Prof. Paulo de Barros Carvalho, a isenção pode recair sobre qualquer critério da regra-matriz, visto que “o órgão legislativo competente age, editando norma isentiva que atua sobre a regra-matriz de incidência, investindo contra um ou mais critérios de sua estrutura, para mutilá-los parcialmente”. Isso fica ainda mais claro quando o Prof. Paulo de Barros Carvalho esclarece que “[s]e o fato é isento, sobre ele não se opera a incidência e, portanto, não há falar em fato jurídico tributário, tampouco em obrigação tributária”, e “se a isenção se der pelo consequente [podendo ocorrer no critério quantitativo, portanto], a ocorrência fáctica econtrar-se-á tolhida juridicamente, já que a sua eficácia não poderá irradiar-se” (Direito Tributário: Linguagem e Método. 8ª Edição. São Paulo: Editora Noeses, 2021. p. 763).
Pior. O entendimento do Fisco Federal está em desconformidade com o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal (“STF”), visto que, quando do julgamento do Tema nº 299, compreendeu-se que “[a] redução da base de cálculo de ICMS equivale à isenção parcial”.
Por conta disso, mesmo com a legislação do PERSE tratar de uma redução à 0% (zero por cento) das alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, está-se efetivamente diante de uma isenção, já que houve a mutilação do critério quantitativo da regra-matriz de incidência dos referidos tributos, não prosperando o primeiro argumento da RFB.
Mas não é só. Com relação ao segundo argumento – de o PERSE não seria uma isenção condicionada, visto que a legislação trataria apenas de uma “simples fixação de critérios para ter o direito de usufruir o benefício fiscal” –, chega-se ao ponto central do presente texto, que é a dúvida relativa às batatas.
Como se vê, o Fisco Federal diz que não foram instituídas “condições” ao PERSE, mas, sim, “critérios”. Contudo, discutir se o PERSE depende do preenchimento de “condições” ou de “critérios” é igual a discutir se a pronúncia da palavra “batata”, em Inglês (que é redigida como sendo “potato”), deve ser “pu-tay-tow” ou “po-tah-to”. Ou seja: Tanto faz. É indiferente. Explica-se.
Um “critério” é justamente um “padrão que serve de base para avaliação, comparação e decisão” (fonte: Dicionário On-Line Michaelis). Ou seja, se a norma institui um critério, ele servirá de norte para saber se o contribuinte faz ou não jus ao benefício fiscal que foi normativamente instituído.
Já uma “condição” é uma “circunstância necessária para que ocorra determinado fato ou situação” (fonte: Dicionário On-Line Michaelis). Isto é, se a norma institui uma condição, ela será a circunstância que servirá para identificar se há ou não o direito à isenção em favor do contribuinte.
Percebe-se, com isso, que “critério” e “condição” são “gêmeos siameses”, de modo que a lei, ao estabelecer um critério necessário para que se usufrua o benefício fiscal instituído, a norma está estabelecendo uma condição para tanto, sendo irrelevante a discussão, já que se trata da mesma coisa, com termos sinônimos. Ou seja: pu-tay-tow po-tah-to.
Com base nisso, vê-se a irrelevância da discussão que envolve o tubérculo da família das leguminosas, assim como é irrelevante a discussão terminológica que foi criada pela RFB, não prosperando o segundo argumento do Fisco Federal, tornando-se evidente a necessidade de se respeitar o artigo 178 do CTN.
Assim sendo, tendo em vista que o PERSE é uma isenção condicionada (ou instituída sob a condição de que sejam cumpridos alguns critérios – pu-tay-tow po-tah-to) e que foi estabelecida por prazo determinado, tem-se que esse benefício fiscal não pode ser revogado, sob pena de se desrespeitar o artigo 178 do CTN, além de se violar o princípio da segurança jurídica e ofender o princípio da “não-surpresa”, sendo de rigor o reconhecimento da ilegalidade e da inconstitucionalidade do inciso I do artigo 6º da MPV nº 1.202/2023.
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.