Os contribuintes que estão discutindo judicialmente os débitos tributários que são constituídos contra eles, costumeiramente, buscam garantir o valor cobrado para que não lhes sejam impostas medidas de constrição patrimonial. Por conta disso, e em razão dos valores envolvidos (sendo inviável realizar o depósito judicial do montante integral do débito), muitos contribuintes optam por apresentar uma carta de fiança bancária ou uma apólice de seguro garantia para garantir o débito (o que é permitido pelo inciso II do artigo 9º da Lei nº 6.830/1980 – Lei de Execuções Fiscais).
Inclusive, vale dizer que a apresentação de carta de fiança bancária ou de apólice de seguro garantia é suficiente para, além de acautelar a dívida, permitir a emissão de certidão de regularidade fiscal (certidão positiva com efeitos de negativa – CPeN), visto que (ii) o § 3º do artigo 9º da Lei nº 6.830/1980 dispõe que essas modalidades de garantia “produz[em] os mesmos efeitos da penhora”, e (iiii) o artigo 206 do Código Tributário Nacional – CTN permite a emissão de regularidade fiscal quando o débito estiver “em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora”.
Ora, se a penhora permite a emissão de CPeN e o seguro garantia e/ou a fiança bancária possuem o mesmo efeito da penhora, então o débito segurado por um desses instrumentos também não deve impedir a emissão da certidão de regularidade fiscal.
Pois bem. O contribuinte que assegura um determinado débito o faz por não concordar com a cobrança e deseja questioná-la judicialmente sem que isso faça recair sobre si ainda mais encargos e sem que isso cause maiores prejuízos patrimoniais (como pode acontecer com a adoção de medidas constritivas).
Justamente por isso, seria de se compreender – até por questões lógicas – que a garantia de um débito que está em litígio não pode ser executada. Até porque, se ocorrer a execução antecipada da garantia, extinguir-se-á o débito e, com isso, o contribuinte perderá seu interesse de agir naquela discussão judicial, já que sua pretensão judicial é “não pagar” e, depois da execução antecipada da garantia, o débito foi “pago”.
Ou seja, o processo judicial (ação anulatória, mandado de segurança repressivo ou embargos à execução fiscal) será extinto em razão de fato superveniente que lhe fez perder o objeto, ficando o contribuinte obrigado a ajuizar uma nova ação judicial de repetição do indébito (pedido para “receber o que foi pago”), ou deverá ser oportunizado ao contribuinte que ele emende sua petição inicial para que seu pedido seja ajustado (mudança de “não pagar” para “receber de volta o que foi indevidamente pago”).
Os Fiscos alegam, por seu turno, que não se trataria de quitação do débito, mas, sim, de mera execução da garantia para que a instituição financeira ou a companhia de seguro deposite judicialmente os valores executados, convertendo a garantia em depósito judicial (que é causa de suspensão da exigibilidade – conforme inciso II do artigo 151 do CTN) para que seja “mais fácil”, ao final do processo, a conversão dos valores em renda em favor do Fisco.
Contudo, mesmo diante desse cenário (que seria menos danoso ao contribuinte), a execução antecipada da garantia se mostra demasiadamente prejudicial, visto que obriga que as instituições financeiras e as companhias seguradoras – na certeza de terem de depositar em juízo o montante assegurado – cobrem um valor cada vez mais elevado para acautelar o débito, justamente porque elas desembolsarão elevadas quantias financeiras e, para recompor seu patrimônio, terão de cobrar de seus clientes.
Ou seja, por um “capricho” do Fisco, faz-se com que essa modalidade de garantia fique cada vez mais custosa, sendo inviável para contribuintes de menor capacidade financeira, fazendo, com isso, que esse tipo de garantia (fiança/seguro) comece a cair em desuso por seus custos elevados.
Isso, via de consequência, acaba por prejudicar a todos, pois o contribuinte se vê com menos opções de garantir o débito e viabilizar a discussão judicial, e Fisco se vê diante de débitos que não são assegurados e que, com o transcurso do tempo, tornam-se valores de difícil recuperação, que serão recebidos, quando muito, por meio de transações.
Com isso, faz-se com que o processo judicial seja Kafkaniano, criando burocracias e custos desnecessários apenas para satisfazer a sanha arrecadatória do Fisco que deseja injetar recursos em seu caixa por meio da execução antecipada da garantia que é oferecida pelo contribuinte no curso da ação.
Por conta disso, seria evidente (para não dizer que seria óbvio) que fosse vedada a execução antecipada de garantia ofertada pelo contribuinte, haja vista todas as questões (de direito material, de direito processual e de direito econômico) acima elencadas. Contudo, nem sempre o óbvio, em termos lógicos, é respeitado, e os Fiscos estavam, reiteradamente, requerendo a execução fiscal de garantias, o que fez com que a matéria chegasse ao Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Originalmente, o STJ, acertadamente, manifestava-se no sentido de não ser possível a execução antecipada da fiança bancária ou do seguro garantia – o que só poderia ocorrer após o trânsito em julgado da sentença que porventura fosse desfavorável ao contribuinte –, visto que o § 3º do artigo 9º da Lei nº 6.830/1980 equipara essas garantias à penhora (julgados: AgRg no REsp nº 1.254.985/SC; REsp nº 1.033.545/RJ; AgRg no AREsp nº 123.976/RS; AgRg no REsp 1.254.985/SC).
Contudo, posteriormente, o STJ entendeu pela possibilidade de liquidação antecipada da fiança bancária ou do seguro garantia quando os embargos à execução fiscal não possuem efeito suspensivo, determinando-se o depósito judicial do montante acautelado e, se o contribuinte se sagrar vencedor ao final do processo, pode a instituição financeira ou a companhia seguradora realizar o levantamento do montante depositado (julgados: AgInt no REsp nº 1.963.214/SP; AgInt nos EDv nos EAREsp nº 1.646.379/RJ; REsp nº 1.996.660/RS).
Diante do impasse existente em âmbito judicial, a questão teve de ser levada ao Poder Legislativo que, por meio do Projeto de Lei nº 2.384/2023, estabeleceu, dentre outras questões, a inclusão do § 7º ao artigo 9º da Lei nº 6.830/1980 para que “[a]s garantias apresentadas na forma do inciso II [seguro garantia e fiança bancária] do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada”.
O Projeto de Lei foi aprovado pelo Congresso Nacional, porém a mencionada alteração foi vetada pelo Presidente da República, razão pela qual a medida retornou ao Congresso Nacional, que derrubou o veto presidencial, de modo que a referida alteração, agora, integra a Lei nº 14.689/2023 e inclui o § 7º ao artigo 9º da Lei nº 6.830/1980, positivando o que era óbvio.
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Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, Professor do IBET/SP e da APET; Mestre em Direito Tributário pelo IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo IET; é bacharel em Direito pelo Mackenzie e bacharelando em Contabilidade pela Trevisan; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com e bruno.romano@adv.oabsp.org.br.