No último dia 17 de março de 2022, foi publicado no DOU a Instrução Normativa RFB n. 2.070, de 16 de março de 2022 a qual, a partir de alterações promovidas na Instrução Normativa SRF nº 599, de 28 de dezembro de 2005, modificou a interpretação do órgão em relação ao alcance da isenção de imposto sobre a renda incidente sobre ganhos de capital das pessoas físicas prevista no artigo 39 da Lei n° 11.196/2005.
Na prática, a partir da referida alteração, a RFB passou a admitir a aplicação da referida hipótese isentiva aos casos em que os contribuintes aplicarem o produto da alienação de imóveis na quitação, total ou parcial, de débito relacionado à compra, a prazo ou à prestação, de outro imóvel adquirido em um momento anterior à venda do atual.
Ou seja, nos casos em que as pessoas físicas apurarem ganho de capital por ocasião da venda de um bem imóvel e aplicarem, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da celebração do contrato, o produto da venda na quitação, total ou parcial, de débito remanescente de aquisição, a prazo ou à prestação o de imóvel residencial já possuído pelo alienante, poderá gozar da isenção do imposto de renda, o qual pode variar entre 15% e 22,5% a depender do montante de “lucro” obtido a partir da alienação do imóvel.
Até a publicação das alterações veiculadas pela IN 2.070/2022, a RFB vinha atribuindo interpretação restritiva à isenção prevista no art. 39 da Lei n° 11.196/2005, de forma a limitar o referido benefício aos contribuintes que aplicassem o produto da venda do bem imóvel na compra de novo imóvel dentro do prazo de seis meses.
Tanto era assim que a redação original do artigo 2°, §11 da IN 599/2005, alterada pela IN 2.070/2022, previa expressamente que a isenção não seria aplicável "à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante".
A RFB fundamentava o seu entendimento no sentido de que a isenção não se aplicaria ao caso de venda de imóvel para quitação de débito remanescente de aquisição de imóvel já possuído pelo alienante com base em uma suposta interpretação literal do art. 39 da Lei n° 11.196/05, de forma que não seria possível ampliar o seu alcance para abranger situações outras não previstas expressamente, nos termos do art. 111, II do CTN, o qual prevê que “interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção”.
Diante dessa interpretação restritiva até então vigente, os contribuintes que pretendessem se valer da isenção se viam obrigados a acionar o Poder Judiciário para ver garantida a aplicação dos benefícios também às situações onde o produto da venda fosse utilizado para quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído, pretensão que vinha sendo acatada pela jurisprudência pátria, a exemplo do que se extrai do Recurso Especial n° 1.668.268 — SP, onde o STJ entendeu ser ilegal a restrição estabelecida no art. 2o., § 11 da IN-SRF 599/2005.
Como acertadamente consignado pelo acórdão supracitado, ao contrário do que entendia a RFB, “a lei nada dispõe acerca de primazias cronológicas na celebração dos negócios jurídicos, muito menos exclui, da hipótese isentiva, a quitação ou amortização de financiamento”[1].
Diante disso tem-se que o que a IN 2.070/2022 fez foi, simplesmente, adequar o entendimento até então adotado pelo órgão, à interpretação que já vinha sendo reiteradamente adotada pelo Poder Judiciário, de forma que não há que se falar que a referida IN inovou o ordenamento jurídico e, muito menos, que ampliou as hipóteses de isenção do imposto sobre o ganho de capital obtido com a alienação de imóveis, o que dependeria de lei em sentido estrito.
Isso não significa que a publicação da IN 2.070/2022 não mereça ser comemorada, pois apesar de não trazer nenhuma inovação quanto ao alcance da isenção do art. 39 da Lei n° 11.196/2005, representa um avanço em termos de segurança jurídica e contribui para a redução da litigiosidade.
Tal alteração, ainda, tem o condão de permitir que os contribuintes que, em que pese terem aplicado o produto da alienação de imóveis na quitação de outros imóveis adquiridos anteriormente à alienação, tenham efetuado o recolhimento do imposto de renda sobre o ganho de capital em observância à interpretação restritiva até então conferida pela RFB, possam solicitar a restituição administrativa dos valores pagos a esse título, observado o prazo prescricional de cinco anos contados da venda do imóvel, procedimento que tende a ser mais célere (em tese a RFB está obrigada a observar o prazo de 360 dias previsto no art. 24 da Lei nº. 11.457/2007 para decidir acerca do pedido de restituição formulado pelo contribuinte[1]) e menos oneroso, uma vez que o pedido administrativo de restituição não implica na necessidade de contratação de advogados e/ou de pagamento de custas.
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[1] STJ, REsp 1138206/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/08/2010, DJe 01/09/2010
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Sobre o autor:
Advogado e cofundador da EBT, especialista em direito tributário pelo IBET/SC e mestre em direito tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.