Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgou o recurso extraordinário (“RE”) nº 574.706 (Tema nº 69), momento em que fixou o entendimento de que o imposto sobre operações de circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transportes e de comunicações (“ICMS”) não integra a base de cálculo da contribuição ao programa de integração social (“PIS”) e da contribuição para financiamento da seguridade social (“COFINS”), pois, no entendimento firmado pela Suprema Corte, os tributos, por serem repassados ao Fisco, não representam receita do sujeito passivo (contribuinte ou responsável).
Por conta disso, as denominadas “teses filhotes” passaram a atingir ponto de fervura, atingindo a elevada expectativa de contribuintes de que fossem decididas em favor do sujeito passivo, tal como ocorreu na tese do ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS.
Contudo, após o julgamento realizado em 2017, e em razão da mudança da composição da Suprema Corte, os contribuintes acabaram sendo surpreendidos por uma série de revezes (inclusive em “teses filhotes”, tal como ocorreu, por exemplo, no caso do ICMS na base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta – CPRB).
Apesar dos revezes reiterados (e surpreendentes), quando o STF incluiu o RE nº 592.616 (Tema nº 118) em pauta de julgamento virtual, os contribuintes nutriram esperanças de que a decisão lhes fosse favorável, visto que a tese do imposto sobre serviços (“ISS”) na base de cálculo de PIS/COFINS é muito similar (para não falar idêntica) à discussão travada na tese do ICMS na base de cálculo das mencionadas contribuições.
Contudo, apesar da esperança dos contribuintes, o julgamento adotou contornos dramáticos a quem figura a posição de sujeito passivo na relação tributária, quase chegando a um resultado de incoerência e de insegurança jurídica, visto que a votação chegou a estar “4 a 4” (isto é, quatro Ministros votaram em favor dos contribuintes e quatro Ministros votaram em favor do Fisco) e, de acordo com o “prognóstico esperado” dos Ministros que ainda tinham de se manifestar, o resultado esperado seria de empate em “5 a 5”, de modo que ia prevalecer o entendimento de que o ISS integra a base de cálculo de PIS/COFINS.
Ou seja, enquanto, no Tema nº 69, o STF fixou o entendimento de que os tributos não integram o conceito constitucional de receita bruta, a Suprema Corte, por outro lado, quase fixou o entendimento, no Tema nº 118, de que os tributos integram, sim, o conceito constitucional de receita bruta, surgindo, com isso, posicionamentos conflitantes dentro do próprio Supremo Tribunal Federal.
No fim, o Presidente da Suprema Corte viu por bem retirar o processo da pauta de julgamento virtual para que ele seja julgado em sessão presencial ou telepresencial e, por conta disso, o julgamento não foi concluído e ele será reiniciado “do zero”, tendo sido mantido apenas o entendimento manifestado pelo Ministro Relator, que foi em favor dos contribuintes.
Apesar do reinício do julgamento (e a retomada das esperanças), a Escola Brasileira de Tributos, no dia 21 de setembro de 2021, realizou uma live para tratar do assunto¹, momento em que um dos participantes presentes, o advogado convidado, Eduardo de Paiva Gomes, manifestou um posicionamento emblemático, mas que serve de norte para o presente artigo, qual seja “precedente se cumpre”.
A frase surge de um entendimento simples: as decisões exaradas em procedimentos de adoção obrigatória devem ser seguidas por todo o Poder Judiciário, inclusive pelos próprios Ministros do STF, visto que, como bem pontuou Eduardo de Paiva Gomes, o Supremo Tribunal Federal é a instituição que interpreta a Constituição (sendo, indiretamente, a própria Constituição), e a palavra do STF se sobrepõe ao entendimento pessoal do Ministro que compõe a Corte.
Por conta disso, seria de rigor que os Ministros do STF, ainda que manifestassem seu entendimento pessoal, acabassem se curvando ao precedente firmado, decidindo o Tema nº 118 em favor do sujeito passivo, ou seja, que o ISS não integra a base de cálculo de PIS/COFINS. Ou seja, seria correto que o STF obedecesse a seus próprios precedentes.
Até porque, para que o entendimento manifestado no precedente do ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS não fosse aplicado ao tema do ISS na base de cálculo de PIS/COFINS, seria necessária (i) a existência de uma situação fática que diferenciasse uma tese da outra (distinguishing), (ii) a mudança da própria Constituição para que o entendimento manifestado anteriormente “perdesse o objeto” em razão da nova norma que trouxe novos ditames constitucionais àquela temática (overriding), ou (iii) a revisão da tese anteriormente fixada, em decisão que contenha fundamentação adequada e específica (overruling).
Todavia, no caso do Tema nº 118, não há qualquer das três situações acima expostas, visto que (i) as sistemáticas do ISS e do ICMS são consideravelmente similares (para não dizer idênticas) e, por conta disso, não se faz possível que haja um distinguishing para deixar de aplicar o posicionamento anteriormente fixado, (ii) não houve mudança no texto da Constituição Federal para que o entendimento manifestado anteriormente perdesse o objeto, inexistindo overriding, e (iii) o STF não está revisitando a tese do ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS, mas, sim, uma nova tese de balizas idênticas àquelas anteriormente analisadas, de modo que não há uma revisão do tema (e inexiste fundamentação adequada e específica), não se tratando de overruling.
Diante disso, e aproveitando as conclusões manifestadas também na live realizada pela Escola Brasileira de Tributos, citada anteriormente, tem-se de rigor que, quando o RE nº 592.616 (Tema nº 118) retornar à pauta de julgamento, que o STF aplique à tese do ISS na base de cálculo de PIS/COFINS o entendimento consignado quando da análise da tese do ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS (RE nº 574.706 – Tema nº 69), fixando o entendimento de que o ISS não integra a base de cálculo de PIS/COFINS, visto que tributos não compõem o conceito constitucional de receita bruta.
¹ https://www.instagram.com/tv/CUGgaMbFHj7/?utm_source=ig_web_copy_link
Sobre o autor:
Bruno Romano é advogado tributarista, Sócio do BCOR | Bonaccorso, Cavalcante, Oliveira e Ristow Advogados, e Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários de São Paulo – IBET/SP, é mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; é pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT; tem extensão em Teoria Geral do Direito, em ICMS, em Contabilidade e em Processo Tributário pelo IBET; tem extensão em Tributação Indireta e em Contabilidade pelo Instituto de Estudos Tributários – IET; e é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; e-mails: bruno.romano2000@gmail.com, bruno.romano@adv.oabsp.org.br e bromano@bcor.adv.br